sexta-feira, 23 de março de 2012

Capítulo 8: "Back to Black"



Quando acordou estava de volta ao restaurante sentada numa cadeira em outra mesa.
Teve que abrir os olhos com cuidado. Não se lembrava de muita coisa. Sentiu que estava com o rosto molhado e as mãos geladas. Aos poucos a visão foi-se acostumando com o cenário. Ajeitou-se. Arrumou as costas e com a mão direita apoiada na cadeira empurrou o quadril para cima.
Foi levantando devagar a cabeça até que seus olhos encontraram os de … Pablo? Assustado, ele estava segurando uma garrafa com água pela metade e a outra deveria estar em seu rosto, pois foi percebendo aos poucos a roupa molhada. Dora concluiu, com um louca vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, como estava feliz de ver seu amigo.
-Dora, que susto! Gente tô tremendo...
- Que bom que você tá aqui! Onde você estava fiquei preocupada!
- Eu tava ali, eu vi quando você saiu como uma louca do restaurante, mas quando me aproximei a senhorita tinha desmaiado...
Então ela se lembrou, olhou ao redor a confusão ainda continuava, o resgate havia chegado e os paramédicos colocavam o corpo do rapaz dentro do furgão.
-Vamos embora? – ela suplicou.
-Você está bem? Por que você foi até lá?
-Pensei que era você!
- Ai Dora! Pelo amor, criatura!!!!!
Pablo se benzeu. Pagaram a conta, saíram no meio da confusão, ela não quis mais olhar, não quis mais ver o sangue, queria esquecer o barulho e aquele episódio. Mas sabia que seria impossível. Pablo ainda se despediu do tal rapaz que o fez “morrer” por alguns segundos, marcando alguma coisa pra mais tarde.
- Não sei como você ainda consegue pensar em sexo - disse Dora quando eles entraram no carro.
Pablo suspirou dando a partida.
- Foi outra pessoa quem morreu, não eu queridinha! E como se diz por ai: antes ele do que eu.
O carro dobrou a esquina, Pablo ligou o som. Dora sabia que esse jeito grosseiro do amigo era só uma forma dele lidar com o que acabaram de vivenciar, tinha esse jeito meio seco, um tanto insensível, mas no fundo ela sabia que ele estava se corroendo, morrendo de medo assim como ela. Prova disso era o volume da música que ele acaba de colocar no carro, deixando claro que não queria mais conversa. A voz marcante de Amy Winehouse negando a “Rehab” quebrou o silêncio que caiu sobre os dois.
Dora não conseguia esquecer o que vira. De toda a cena o que mais lhe chamara a atenção fora aqueles olhos inexpressivos, estáticos como duas bolas de vidro. Não havia mais brilho. As pontas dos dedos da mão estavam roxas, assim como a boca. E olheiras profundas contornavam os olhos castanhos claro do morto. A vida se esvaira tão rápido. A morte tomara aquele corpo para si em tão poucos segundos. E tão rapidamente aquela pessoa era apenas um vazio. Um buraco negro escuro de dor e saudade que sugaria os que naquele episódio estivessem reunidos.
Era isso, então. Era assim a morte, esse era seu rosto. Essa coisa vazia, sem cor, esse nada em forma de mãos, braços, tronco, pernas, olhos. Que triste! repetia pra si mesma, que triste...
Para aquele rapaz estendido no asfalto o jogo tinha terminado, ele tinha perdido. Fim da linha.
Game over. Ela susurrou. Game Over. E pensou na vida, em sua vida, como lhe doía, como era pesado ser ela naquele momento, como estava sendo difícil lidar com aquele buraco que Jairo deixara, aquele nada que viver se tornara. Pensou que talvez o rapaz morto aproveitasse mais que ela, que fosse mais feliz que ela, que com certeza dava mais valor à vida do que ela.
E pensar nisso tudo, estar diante da morte e até desmaiar, tudo isso tinha mexido demais com ela. Sentiu uma ânsia subindo a garganta. Estava angustiada, um nó na garganta. Não pode segurar quando as lágrimas vieram fortes, quebrando as barreiras, vindo do fundo. E então a menina chorou.
Levou as mãos ao rosto, ombros tremiam. Soluços. Assustado, Pablo parou o carro, diminuiu o volume do som.
-Dora, Dora, Dora! Que foi minha querida? Hein... que foi?
Ela tentou segurar o choro, respirar. Estava difícil, ela quis dizer que estava difícil segurar a onda, agüentar a barra, continuar.
-Pablo... (soluçou) Pablo... Eu... Eu não... Eu não quero morrer!!!!
E desabou em soluços mais uma vez. Pablo abraçou a amiga.
-Que bobagem, você não vai morrer, ninguém aqui vai!
Ela passou as costas das mãos nos olhos, por um momento se sentiu fraca, clichê e ridícula. Menininha!
Pablo se afastou soltou-a de seus braços.
- Eu tive uma idéia, hoje vamos passar a noite juntos. Vamos pra casa, ver um filme, sei lá qual
quer coisa... Posso chamar uns amigos... a gente se distrai.
Ela não queria, queria ligar pra Jairo. Queria estar com ele outra vez.
- Tudo bem- ela disse baixo- Tudo bem.
Pablo ligou o carro mais uma vez, Dora suspirou. Ironicamente, dessas coisas que só acontecem com ela, no som do carro a voz de Amy Winehouse saia rouca: (...) “We only said goodbye with words, I died a hundred times” (...).

Naquela tarde, indo pela Doutor Arnaldo, cabeça encostada no vidro fechado do carro, os olhos encontraram o cemitério, a morada da morte. Encontraram ainda o Hospital Emílio Ribas. Voltando a pensar naquele rapaz, para o luto que ela quem nem sequer o conhecia sentia, ela retomava seu pensamento anterior. Primário. Ela sobreviveria.
Melhor, ela decidiu, viveria. Reinventaria outra vida antes que a morte viesse lhe atormentar com o vazio profundo.Ela se reinventaria.

2 comentários:

  1. Loucura, loucura...Ainda hoje a gente precisa desesperadamente de alguém pra ser feliz? Não podemos andar sozinhos, com nossas pernas? Parece que a perda de um amor é o fim da linha...
    Dora, Dora!

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  2. Dora... dando tanto trabalho... rs
    O que ela precisa descobrir?!
    Essa menina, essa saia tem roubado meu sono.

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a menina quer te ouvir...