terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Capítulo 3, episódio: Paixão de Primavera

A semana tinha passado rápido demais. Os dia iguais, repetitivos, às vezes ela se sentia como um ser inanimado fazendo tudo igual, me-to-di-ca-me-nte. Acordar, ir pro rabalho, voltar pra casa... Sentia-se uma parasita no mundo. Mais uma sugando energia vital e expelindo pelos poros, boca, suor, lágrimas. Tudo em vão, pensava.

Era noite de sexta-feira, quase dez. São Paulo fervia, restaurantes, bares show, teatros. A cidade pulsava em cada esquina. Se sentia velha demais para tudo aquilo. Aquela gente cheia de energia, que passava a semana esperando a sexta, como se um milagre acontecesse, como se o mundo mudasse as sextas a noite. Uma tristeza geral, uma angustia total disfarçada de alegria. Com maquiagem e roupas descoladas.

A verdade é que ela estava cansada daquilo tudo.

Sentada no parapeito da enorme janela de seu apartamento “comprado antes dos 30”, sim! ela gostava de repetir isso. "Meu apartamento comprado antes dos 30", dizia em silêncio a si mesma enquanto fazia a unha.

Paixão de primavera era o nome do esmalte. Gostaria de trabalhar como sendo uma dessas pessoas que criam nomes para cores de esmaltes, ia se divertir mais...

No rádio uma música brasileira qualquer, nova mpb. A felicidade está nas coisas singelas Na chuva... dizia a música ou talvez num cheiro de fronha limpa ou num esmalte novo nos pés, concluía ela.

Alguém realmente acreditava naquilo?

Passou o pequeno pincel na unha do dedão da mão esquerda. "Paixão de primavera no meu dedão".

Lembrou-se enquanto pintava as unhas de outras sexta feiras em um passado nem tão remoto mas, que pensado assim, lembrado dessa forma, parecia fazer parte de outra vida, outra menina que não ela.

Lembrou-se das sexta feiras com Jairo. De como no começo ele chegava antes das nove da noite e já no corredor desabotoava a gravata, de como a beijava quando ela abria a porta, de como faziam sexo no sofá e depois na cozinha, enquanto ela preparava um lanche.

Lembrou-se do banho demorado que tomavam juntos, do jeito que ele reclamava da ex-mulher e da ganância dos filhos. Dezoito anos mais velho que ela, Jairo havia tido dois filhos no casamento anterior. Um, tinha 18 e outro 13 anos. Dois meninos que odiavam a jovem mulher com a qual o pai foi se meter ou que viera se meter com ele, deviam realmente pensar.

Lembrou-se ainda como depois do banho eles saíam para dar uma volta na cidade, as vezes um cinema, ou um vinho no Mestiço, lugar que apesar de odiar ele ia por conta das insistências dela. Ele dizia que era tudo muito fresco,ele se sentia incomodado com aquele monte de "viado", como ele ser referia aos gays, dando pinta no salão.
E se tinha uma coisa que Jairo não gostava era dos gays. Principalmente os que frenquentavam o Mestiço. Ele os achavam afetados além da medida.

- Quer dar o cu, por mim tudo bem, mas não esfregue isso na minha cara, porra!. Era o que ele sempre repetia.

Depois do vinho, ou do cinema, voltavam pra casa e faziam sexo mais uma vez. Jairo passava os finais de semana na casa dela e ia embora depois do Fantástico. Sempre separados e ele nunca quisera que fosse diferente. "Aquele canalha, filho da puta!", sussurou enquanto borrava o vermelho nas unhas do pé esquerdo.
Aquele vai e vem do pincel parecia ajudar-lhe sempre a trazer à tona memórias... E memórias dos tempos em que estava com Jairo eram as que não a deixavam em paz. Nunca!

Lembrou-se, então, de uma vez que Jairo sumiu numa sexta-feira. Com o celular desligado por dias ele só veio a reaparecer na terça da outra semana. A desculpa? Totalmente deslavada, claro!

- “Meu filho mais novo foi parar no hospital por conta de um jogo no colégio”, justificava com tanta dramaticidade que ela acreditara, como uma idiota.
-
- Talvez no fundo todas as mulheres gostassem um pouco de serem enganadas, passadas para trás, teorizava ela. Só para depois darem a volta por cima e mostrar para o mundo que o sexo frágil tinha se recuparado, vencido mais uma vez.

Começou a ficar irritada, sentiu raiva de estar fazendo a unha sentada na janela, "Que bosta de vida"!

Teve vontade de largar tudo. De se jogar dali. De mandar o mundo tomar no cu e depois de se jogar.

Ela, quem tinha se realizado tão cedo profissionalmente: era respeitada, trabalhava com um renomado artista, tinha seu apartamento, era independente, pagava suas contas e tinha até se dado o direito de ter um ipad. Sentia-se sentia uma grande e espaçosa merda no mundo. Uma merda pintada de paixão de primavera.

Tudo porque era sexta a noite e ela não tinha companhia, nada melhor pra fazer além da unha, e tudo era culpa de Jairo que ao ir embora havia levado também sua paz. Seu Rumo. Seu jeito de ser.

"Mulherzinha", pensou.

"Você é uma cretina Dora". Disse a si mesma.

Suspirou, desceu da janela com muito cuidado para não borrar o pé pintado. Caminhou até o sofá, abriu uma latinha de metal e tirou um basedao pronto. Deu Uma tragada funda, mal humorada, irritada. Sentia-se solitária. Sim! Tinha vontade de morrer e sim! morreria com as unhas do pé esquerdo mal feitas. Quem se importa?

Mais uma tragada e outra e depois uma mais forte.

E, de repente, tudo começou a ficar mais calmo dentro dela. "A cretina se acalma com maconha ou vinho" Ouviu a voz da sua mãe gritar em sua cabeça.

Mudou o cd e num movimento que lhe pareceu eterno voltou para o parapeito da janela. O trânsito lá embaixo... Podia ouvir risadas no bar logo a frente do seu prédio.
Sua boca secou, decidiu que depois da unha compraria um vinho ou dois e tomaria.

Naquela noite de sexta, solitária, mal acomodada no parapeito da janela ela decidiu que iria dormir muito chapada. Não era a noite para doer. Estava cansada demais para questionamentos. Iria dormir bêbada e se Deus ajudasse acordaria muito tarde no dia seguinte.

Quem sabe não convidaria Pablo para o almoço?

O telefone começou a tocar e ela em câmera lenta tentou acha-lo. Olhou o número e seu corpo todo ardeu: era Jairo. Sua pernas cambalearam. Já havia se passado seis meses. Ela quase lançou o celular pela janela, mas ainda que tivesse os olhos queimando, atendeu.

5 comentários:

  1. Isso é que é "gancho", heim? Amanhã tem o próximo capítulo? rsrs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Lucia, Dora e suas neuras estão chegando aos poucos, mas acho que essa semana temos mais um! bjão!!!!!!!

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  4. Também tô no aguardo... curiosa! (rs)

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a menina quer te ouvir...