Terça feira, nove da noite, numa galeria de uma rua arborizada da Vila Madalena, Dora segurava desanimadamente uma taça de champagne. Era a vernissage de um fotógrafo, desses moderninhos, cheio de pose e dinheiro, porque na opinião de Dora aquelas fotos não tinham nada de artístico.
Suspirou sentindo preguiça daquela gente toda sorrindo pelo salão.
Não tinha hora para ir embora e já estava cansada no início da semana. Olhou o relógio no celular, mas o ponteiro havia andado em dois minutos. O tempo se arrastava. Era noite de lua cheia e ela só queria estar na rua. Queria sair andando sem rumo, olhando vitrines de lojas fechadas, tomar um café no Frans, logo ali na esquina antes de entrar no metrô.
Encheu mais uma vez o copo. "Vai ficar altinha", pensou, "e depois cochilar no metrô".
Ela estava de costas para a porta, olhando uma foto gigante. No destaque, uma unha pintada de vermelho. Do mesmo vermelho que ela também gostava de pintar as unhas. A foto toda em preto e branco e aquela unha em vermelho nítido. O título? “Sangue".
Senhoras e senhores, disse a si mesma, eis aqui uma grande bosta! Sorriu, sem perceber quando Jairo entrara na galeria.
Dora fora a primeira pessoa que ele viu. Dora, num vestido preto curtíssimo que realçava as belas formas do seu corpo. Os cabelos também curtos estavam seguros em uma faixa colorida. Segurava uma taça e sua cabeça pendia para o lado esquerdo. Ao vê-la assim ele imaginou que ela estivesse criticando a foto.
Jairo, de terno e gravata afrouxada, olhava Dora sem que ela o tivesse notado ali. Ele achava aquele emprego, aquela galeria medonha. Coisa de gente rica e sem talento. Se aproximou devagar e assoprou sua nuca como sempre fizera. Como nos velhos tempos.
Dora sentiu um arrepio percorrer toda sua coluna. Arqueou os ombros e, por alguns segundos, fechou os olhos. Aquela sensação, aquele sopro na nuca... aquilo era coisa de... E não podendo mais pensar virou-se bruscamente, fungindo daquele sopro doce que durou uma eternidade e seus olhos encontraram os olhos de Jairo.
- Jairo! que susto! Que cê ta fazendo aqui?
- Oi amor! que saudades! Disse ele no seu costumeiro tom melado.
Ela começou a andar pela galeria, sem rumo, enquanto Jairo permanecia ao seu lado. Encheu mais uma vez a taça. Respirou fundo, mas as pernas iam bambas. O coração ia saltar a qualquer minuto, ela se sentia zonza e uma dor súbita, embaixo do braço direito. Era um infarto. Ela iria morrer ali, naquele momento, ela bem sabia! Dora era assim. Gostava de exagerar.
- O que você quer Jairo? Eu estou trabalhando, que você tá fazendo aqui?
- Interessante esse seu trabalho. Você bebe, olhas umas fotos horrorosas...
- Me respeite!
- Ok, Dora. Eu não vim aqui pra discutir. Eu... Olha só... eu estou morrendo de saudades... eu me arrependo... cometi um erro... Dora eu...
Era toda aquela ladainha tão conhecida por ela! Aquela coisa que nunca acabava!
- Jairo eu não vou falar disso com você, me esquece!
Enquanto os lábios diziam isso, sua cabeça imaginava poder dizer algo muito diferente. Algo como “Jairo, me leva pra cama agora”...
Cobras, malditas serpentes em sua cabeça.
- Dora por favor, uma chance, uma horinha apenas, deixa eu te levar embora, me escuta...Eu quero você de novo, deixa eu voltar hein, meu amor?
Ela ficou em silêncio. Colocou a taça em cima do balcão, saiu pela porta e deixou Jairo sozinho. Atravessou o salão rapidamente com passos largos e firmes, foi em direção ao seu chefe que conversava com o fotógrafo hipster.
Que tipinho, ela pensou olhando o rapaz de cima abaixo enquanto puxava o braço do seu chefe e pedia licença.
-Armando, preciso ir embora agora. Tudo bem?
Ele olhou por cima dos ombros nus de Dora, viu Jairo em pé na porta que acenou.
- Jairo voltou é?
Ódio, essa mania de não ficar calada e chorar suas dores pro mundo!
- Eu só preciso conversar com ele, sei o que eu estou fazendo.
- Hum... veja lá hein Dora! Tenho vontade de não te liberar só pra você não ir ao encontro desse canalha.
Ódio. Ódio. Ódio. Quem aquele baixinho com aqueles óculos de aro vermelho pensava que era para se intrometer tanto assim na sua vida. Armando vai tomar no cu! Quisera poder ter dito em alto e bom tom!
- Armando, tudo bem. Eu sei o que estou fazendo...
- Tá bem. Boa sorte então.... amanhã te vejo às dez!
- Ok, obrigada.
Atravessou novamente o salão. Jairo a encarava. Seu coração estava ponto de sair pela boca. Que homem lindo meus Deus! Aquele terno impecável, aquela gravata propositalmente frouxa. os cabelos alinhados e a toda aquela elegância natural de Jairo.
Saíram.
Em silêncio atravessaram a rua. Ela queria dizer mil coisas, vomitar tudo em cima dele, queria deixar claro como ela se sentia, todo o mal que lhe causara, queria dizer que inclusive era culpa dele aquele rapaz ter morrido na frente dela. Culpa dele seu final de semana ter sido tão pesado. Jairo, a praga do mundo!
Entrou no carro, inclinou a cabeça para puxar o cinto, quando voltou seus lábios encontraram o dele.
O encaixe perfeito. A boca gelada e carnuda de Jairo, sua língua firme, a mão que segurava com força sua nuca.
Não teve mais tempo de pensar. Relaxou e ficou entregue àquela criatura sedutora dentro daquele carro.
Como uma heroína dos contos da Série Sabrina, Dora se entregou ao beijo. Ao beijo de Jairo. Ao beijo longo, demorado e macio de Jairo. Ah! Aqueles lábios... Tinham sabor de pecado. Tinham cheiro de erro. Tinham o prenúncio de que algo muito ruim estava novamente para acontecer.
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quarta-feira, 25 de julho de 2012
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