Parou
em frente à banca e viu um livro em destaque. Os olhos passaram rapidamente
pelo título no mesmo instante em que seu coração deu um pulo dentro do peito:
”Dora, a insatisfeita”.
Olhou
a prateleira ao lado. “Dora, a insatisfeita”. E outros livros amontoados ao
chão: “Dora, a insatisfeita”. De repente todos os livros da banca tinha o mesmo
título. Todas as revistas traziam a mesma manchete na capa: “Dora...” Dora... a
...”
-
AAAAhhhhhh!!!!, gritou no meio da livraria com as mãos na cabeça.
Olhou
em volta e por alguns segundos todos a sua volta estavam parados, olhos fixos
em sua loucura.
O
pior de tudo não era não sentir nada, não era continuar infeliz, nem seu
adorado roupão branco estar sujo de sangue em casa. Não, isso não era o pior.
Não estava cheia de uma ressaca moral pela morte. O que a deixava nervosa e
impaciente era não ter o que fazer com o corpo inchado de Jairo.
"Consequências", pensou imitando a voz de Pablo em um plano que só
ela conseguia ouvir. "Consequências, queridinha!"
Irritada
com aquela confusão se pôs a andar depressa, de volta pra casa comprada antes
dos 30, e que nunca mais seria a mesma.
Abriu
a porta do apartamento. Não foi até o quarto, mas pela porta aberta viu a perna
direita de Jairo, torta, como se ele fosse um boneco de pano. Deixou as sacolas
no balcão que separava a cozinha da sala. Abriu o notebook. “Dora, a
insatisfeita”?. Não. Não mais. Naquele momento seu único desejo era escrever.
Escrever qualquer coisa que fosse, qualquer coisa que a levasse para longe
dali. “Dora, a insatisfeita”, repetia pra si mesma visivelmente incomodada.
- Insatisfeita ficava sua mãe!, gargalhou em
voz nervosa, sozinha, enquanto tentava escrever palavras ao léu.
Quem, do outro lado da tela, quem nas redes
sociais que ela fazia questão de movimentar todos os dias poderia imaginar que
ali mesmo, ao lado da tela do computador, na mesinha cheia de história de sua
avó, repousava a arma do crime. Enquanto ela... Ela escrevia posts cheios de si
mesma para os infelizes como ela.
Assassina?
Eu? Assassinos tiram vida de algo cheio de vida... Jairo não era nada!
-
Insatisfeita?, disse novamente em voz alta, rindo para si mesma, rindo de alguém
que ela não sabai exatamente quem era. Rindo de como nem ela mesma soubesse do
que seu riso fosse feito.
Toda
tarde, durante aquelas tardes intermináveis que passara ao lado de Jairo, ele
jogava aquela vida cheia de nada, aquela vidinha farta de drama em sua cara. A
mesma que há tão pouco ainda era jovem.
Sem saber, ou pensar muito. Sem saber nem sentir muito, Dora transformou
aquele dia, o sentimento todo, aquilo tudo que não cabia dentro do peito em um post.
Fez-se ainda mais satisfeita, afinal a vida era isso: satisfações
momentâneas que mereciam um like no Facebook. Naquela manhã, apesar da noite
anterior e do sangue que insistia em manchar o piso do quarto, ali dentro daquela
vida online, Dora se fazia vencedora. E seu pesar maior era não poder postar as
fotos de seu quarto como prova disso.