segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Um like para um cadáver



Parou em frente à banca e viu um livro em destaque. Os olhos passaram rapidamente pelo título no mesmo instante em que seu coração deu um pulo dentro do peito: ”Dora, a insatisfeita”.

Olhou a prateleira ao lado. “Dora, a insatisfeita”. E outros livros amontoados ao chão: “Dora, a insatisfeita”. De repente todos os livros da banca tinha o mesmo título. Todas as revistas traziam a mesma manchete na capa: “Dora...” Dora... a ...”

- AAAAhhhhhh!!!!, gritou no meio da livraria com as mãos na cabeça.

Olhou em volta e por alguns segundos todos a sua volta estavam parados, olhos fixos em sua loucura.

O pior de tudo não era não sentir nada, não era continuar infeliz, nem seu adorado roupão branco estar sujo de sangue em casa. Não, isso não era o pior. Não estava cheia de uma ressaca moral pela morte. O que a deixava nervosa e impaciente era não ter o que fazer com o corpo inchado de Jairo. "Consequências", pensou imitando a voz de Pablo em um plano que só ela conseguia ouvir. "Consequências, queridinha!"

Irritada com aquela confusão se pôs a andar depressa, de volta pra casa comprada antes dos 30, e que nunca mais seria a mesma.

Abriu a porta do apartamento. Não foi até o quarto, mas pela porta aberta viu a perna direita de Jairo, torta, como se ele fosse um boneco de pano. Deixou as sacolas no balcão que separava a cozinha da sala. Abriu o notebook. “Dora, a insatisfeita”?. Não. Não mais. Naquele momento seu único desejo era escrever. Escrever qualquer coisa que fosse, qualquer coisa que a levasse para longe dali. “Dora, a insatisfeita”, repetia pra si mesma visivelmente incomodada.

- Insatisfeita ficava sua mãe!, gargalhou em voz nervosa, sozinha, enquanto tentava escrever palavras ao léu.

Quem, do outro lado da tela, quem nas redes sociais que ela fazia questão de movimentar todos os dias poderia imaginar que ali mesmo, ao lado da tela do computador, na mesinha cheia de história de sua avó, repousava a arma do crime. Enquanto ela... Ela escrevia posts cheios de si mesma para os infelizes como ela.
Assassina? Eu? Assassinos tiram vida de algo cheio de vida... Jairo não era nada!
- Insatisfeita?, disse novamente em voz alta, rindo para si mesma, rindo de alguém que ela não sabai exatamente quem era. Rindo de como nem ela mesma soubesse do que seu riso fosse feito.
Toda tarde, durante aquelas tardes intermináveis que passara ao lado de Jairo, ele jogava aquela vida cheia de nada, aquela vidinha farta de drama em sua cara. A mesma que há tão pouco ainda era jovem.

Sem saber, ou pensar muito. Sem saber nem sentir muito, Dora transformou aquele dia, o sentimento todo, aquilo tudo que não cabia dentro do peito em um post.
Fez-se ainda mais satisfeita, afinal a vida era isso: satisfações momentâneas que mereciam um like no Facebook. Naquela manhã, apesar da noite anterior e do sangue que insistia em manchar o piso do quarto, ali dentro daquela vida online, Dora se fazia vencedora. E seu pesar maior era não poder postar as fotos de seu quarto como prova disso.  

4 comentários:

  1. Fim? Inesperado, confesso. Queria Dora dando a volta por cima, tirando Jairo de sua vida, sumariamente.
    Mas que bom sermos os autores e dar à história o desfecho que quisermos, não é?
    Pobre menina da saia de tule!
    (Se não for o final, aguardo-o para logo. rsrs
    Abraço!

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  2. rs... Lucinha, ela deu um jeito, mas a menina parece que nao sabe dançar suavemente nem tranquilamente nao?

    é o fim de Jairo, acho... não o fim para Dora... a libertação talvez, nao ED?

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a menina quer te ouvir...