quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Capítulo 1, episódio: o metrô


Um dia banal na vida dela. Como todos os outros, tinha a impressão de estar no automático. Não que viver fosse uma opção. Era preciso seguir adiante, se não fosse isso seria a morte e era egoísta demais para deixar esse mundo. Ela seguia, passava o café, cortava o bolo, sentava-se perto da janela de vidro fosco. O sol nascia. Menos dentro dela. Um dia vazio, como os outros. E todos ainda que se arrastariam. Tinha o dom de não ser preenchida. De manter-se ocupada sem estar. Olhou o relógio, estava atrasada de novo. Rotina. Como um verme pesado arrastou-se até o banheiro, olhou-se no espelho e pensou "Você precisa parar de querer mocinha!". Passou o batom vermelho carne. Morrer era fácil demais. Viveria pra doer. Era assim que sabia. Doendo para estar viva. Ardendo para não secar. Saiu e fechou a porta atrás de si, desceu até o térreo dentro da pequena caixa de aço e ferro. Suspirou no saguão. Vestiu sua melhor cara e alcançou a rua.

Sua incrível arte de representar. Disso, porém, ninguém sabia.

Finja um sorriso, dizia a si mesma. Finja ao menos uma vez que não é tua essa guerra! Finja que nada disso é teu, seu mundo, sua dor, suas feridas do que valem?

Se há pressa, se não tem jeito, se tudo é o agora. Pinte seu rosto. O baile começou. "E não me diga queridinha que você não sabe!", repetiu mentalmente imitando a voz de Pablo seu amado amigo gay, pois você não tem idade mais para isso,não cola mais essa desculpa. Não me venha com esse papo de não saber dançar. A gente nunca sabe.

Até que dança.

A verdade é que ela não entendia o porquê daquilo tudo. Todos os dias levantar-se, tomar banho escovar os cabelos curtos mal cortados até a nuca, vestir-se, sair, trabalhar, cuidar do dia, da casa, das compras, do mercado. O mesmo sorriso no fim do dia, os brindes em mesa de bar, a novela, o jornal da globo e tudo começava de novo. E outra vez.

As vezes, em dias como aquele, tinha vontade de gritar na cara de alguém qual era a resposta, se sabiam dela, se conheciam o caminho.

Ninguém sabia.

Andou até o metrô lotado aquela hora da manhã. Tirou o livro da bolsa. Vista daquele jeito, a moça de cabelo curtos, calça jeans surrada, regata e jaquetinha de couro surrada, parecia uma garota comum. Muito diferente daquela estranha, cujos vermezinhos na cabeça iam e vinham trazendo pensamentos obscuros os quais ela fazia questão de não dividir com ninguém.

Não é que fosse linda, mas estava longe de ser feia. Era magra e um tanto alta. Parecia quase não saber direito viver dentro daquele corpo que lhe fora dado. Tinha os olhos grandes esverdeados, gostava de dizer assim bem pausadamente "esssssverrrrdeaaaados", pois os olhos era a parte que mais gostava em seu corpo. Usava um lápis preto ao redor deles, tinha traços fortes e mãos grandes as quais, ao contrário dos elogios que lhe faziam, era a parte que mais odiava em seu corpo.

Abriu o livo em pé mesmo, estava acostumada com aquele malabarismo, quem é que não tá? Se perguntava toda manhã naquela lata de sardinha: por estava ela ali de novo? 

Questão de sobrevivência queridinha... Pablo outra vez invadindo sua mente. 

Lia Fazes-me Falta, de Inês Pedrosa, o qual ela classificou como dolorosamente lindo! Levantou os olhos se distraindo da leitura, observou, como todas as manhãs, as pessoas no trem. As secretárias que trocavam informações domésticas.... O jovem executivo que se namorava no espelho e quem a seus olhos usava um terno menor do que o número real. Se tinha um tipo de homem que ela achava realmente bizarro era esse tipo metrossexual, amante de uma roupa apertadinha. 

Gostava de observar cada pessoa. Imaginar cada história, gostava de fazer parte daquilo tudo. Ao menos por um momento aquelas pessoas todas, tão diferentes, dividiam um mesmo momento. Naquele minuto, por exemplo, ela gostava de estar naquele exato vagão. E vez ou outra ela era tomada por um medo de que alguma tragédia acontecesse, daí o reparar na vida e no jeito alheio. Queria "conhecer" as pessoas com quem ela morreria. Gostava de imaginar com quem dividiria o último olhar quando o trem explodisse. 

Essas coisas assim a deixavam intrigada e com uma sensação de estranha agradabilidade. Depois de desviar os olhos da leitura, observar a mediocridade da secretaria executiva bilíngue ela sorriu para si mesmo. E um pouco antes da estação final se sentiu a pessoa mais triste dentro daquele vagão.


3 comentários:

  1. OLá! Vou acompanhar com gosto. Tratando-se de recomendação da Borboleta Sônia, vem coisa boa por aí! Sucesso!

    ResponderExcluir
  2. Fui com a tua cara, "menina"! Gosto de personagens meio rabugentos... me faz lembrar o "diario do farol", de joão ubaldo ribeiro.

    Sucesso pra ti Ed! To com a Lucia... recomendacao da Borboleta só pode ser coisa boa.

    ResponderExcluir
  3. Me identifiquei muito, vou acompanhar.
    Alice

    ResponderExcluir

a menina quer te ouvir...