tag:blogger.com,1999:blog-14383675242103751772024-03-14T01:59:59.414-07:00a menina da saia de tuleEd Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.comBlogger11125tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-58703438551400973112012-12-10T17:24:00.000-08:002012-12-10T17:24:41.608-08:00Um like para um cadáver
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<br />
<div class="MsoNormal">
<a href="" name="_GoBack"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Saiu do apartamento com uma
sensação de leveza, desconfiada como se o mundo soubesse. Entrou na padaria.
Estava sem fome. Ainda assim pediu três pães tão automaticamente como pedira
tanta coisa toda sua vida. Comprou do leite que nunca havia tomado, o mais caro
deles e um queijo Minas. Pensou em levar presunto, desistiu. Saiu. Enquanto
andava olhava os próprios pés. Era estranho como às vezes eles é que a levavam
a algum canto. A cabeça vazia, os pés decididos a levá-la onde nem mesmo
sonhava poder ir.<o:p></o:p></span></a></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="" name="_GoBack"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Parou
em frente à banca e viu um livro em destaque. Os olhos passaram rapidamente
pelo título no mesmo instante em que seu coração deu um pulo dentro do peito:
”Dora, a insatisfeita”. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Olhou
a prateleira ao lado. “Dora, a insatisfeita”. E outros livros amontoados ao
chão: “Dora, a insatisfeita”. De repente todos os livros da banca tinha o mesmo
título. Todas as revistas traziam a mesma manchete na capa: “Dora...” Dora... a
...”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">-
AAAAhhhhhh!!!!, gritou no meio da livraria com as mãos na cabeça. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Olhou
em volta e por alguns segundos todos a sua volta estavam parados, olhos fixos
em sua loucura.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">O
pior de tudo não era não sentir nada, não era continuar infeliz, nem seu
adorado roupão branco estar sujo de sangue em casa. Não, isso não era o pior.
Não estava cheia de uma ressaca moral pela morte. O que a deixava nervosa e
impaciente era não ter o que fazer com o corpo inchado de Jairo.
"Consequências", pensou imitando a voz de Pablo em um plano que só
ela conseguia ouvir. "Consequências, queridinha!"<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Irritada
com aquela confusão se pôs a andar depressa, de volta pra casa comprada antes
dos 30, e que nunca mais seria a mesma.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Abriu
a porta do apartamento. Não foi até o quarto, mas pela porta aberta viu a perna
direita de Jairo, torta, como se ele fosse um boneco de pano. Deixou as sacolas
no balcão que separava a cozinha da sala. Abriu o notebook. “Dora, a
insatisfeita”?. Não. Não mais. Naquele momento seu único desejo era escrever.
Escrever qualquer coisa que fosse, qualquer coisa que a levasse para longe
dali. </span></span><span class="Apple-style-span" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 13px;">“Dora, a insatisfeita”, repetia pra si mesma visivelmente incomodada.</span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0mm;">
<br /></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0mm;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">- Insatisfeita ficava sua mãe!, gargalhou em
voz nervosa, sozinha, enquanto tentava escrever palavras ao léu.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0mm;">
<br /></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin: 0mm;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Quem, do outro lado da tela, quem nas redes
sociais que ela fazia questão de movimentar todos os dias poderia imaginar que
ali mesmo, ao lado da tela do computador, na mesinha cheia de história de sua
avó, repousava a arma do crime. Enquanto ela... Ela escrevia posts cheios de si
mesma para os infelizes como ela. <o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Assassina?
Eu? Assassinos tiram vida de algo cheio de vida... Jairo não era nada!<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">-
Insatisfeita?, disse novamente em voz alta, rindo para si mesma, rindo de alguém
que ela não sabai exatamente quem era. Rindo de como nem ela mesma soubesse do
que seu riso fosse feito.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Toda
tarde, durante aquelas tardes intermináveis que passara ao lado de Jairo, ele
jogava aquela vida cheia de nada, aquela vidinha farta de drama em sua cara. A
mesma que há tão pouco ainda era jovem. <o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<br /></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Sem saber, ou pensar muito. Sem saber nem sentir muito, Dora transformou
aquele dia, o sentimento todo, aquilo tudo que não cabia dentro do peito em um post.<o:p></o:p></span></span></div>
<div style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0mm; margin-left: 0mm; margin-right: 0mm; margin-top: 7.5pt;">
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="background: white; color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;">Fez-se ainda mais satisfeita, afinal a vida era isso: satisfações
momentâneas que mereciam um like no Facebook. Naquela manhã, apesar da noite
anterior e do sangue que insistia em manchar o piso do quarto, ali dentro daquela
vida online, Dora se fazia vencedora. E seu pesar maior era não poder postar as
fotos de seu quarto como prova disso. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span></span><span style="mso-bookmark: _GoBack;"><span lang="PT-BR" style="color: #333333; font-family: Tahoma; font-size: 10.0pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
<span style="mso-bookmark: _GoBack;"></span>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<!--EndFragment-->Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-68643210385222411292012-08-31T10:21:00.001-07:002012-08-31T10:22:53.980-07:00Capítulo 10: Amor cego, faca amolada <br />
Eram sete horas da manhã quando acordou. Saiu da cama lentamente. Arrastada,<br />
colocou primeiro o pé esquerdo no piso frio. Se livrou do fino lençol que estava<br />
enrolado em seu corpo nu. Ainda sonolenta cambaleou até o banheiro. Fechou a porta<br />
enquanto olhava-se no espelho do armarinho.<br />
<br />
Ela estava viva. Incandescentemente viva.<br />
<br />
Entrou no box e ligou a ducha, O banho a despertaria, pensou, enquanto a água quente<br />
caia em seus ombros, seios, barriga. Descia como rio, deslizava suas pernas e voltava<br />
pro ralo. Mexeu as pontas dos dedões do pé. Unhas limpas. Sem cor, sóbrias.<br />
<br />
Como deveria ser a vida.<br />
<br />
Molhou a cabeça, ás vezes no banho tinha vontade de ter cabelo comprido. Fechou os<br />
olhos e deixou que a água limpasse seu rosto.<br />
<br />
Talvez a alma e revigorasse a energia.<br />
<br />
Lembrou que não tinha café da manhã em casa enquanto despejava na palma da mão<br />
uma porção de shampoo. Pensar no café da manhã a conectou com Jairo que ainda<br />
dormia um sono profundo em sua cama. Por um momento teve vontade de sentar-se no<br />
chão, abraçar as pernas e ficar embaixo do chuveiro até ele ir embora.<br />
<br />
Sentia-se confusa e tranquila.<br />
<br />
Desligou a ducha, abriu a porta do boxe, entrou no roupão verde desbotado que há<br />
dois anos antes ela tinha roubado em um hotel quando estava em Salvador. Ela achava<br />
aquele roupão horroroso, estava gasto, mas não conseguia desapegar daquele pedaço de<br />
pano. Tantas lembranças num único pedaço de pano!<br />
<br />
Escovou os dentes:<br />
<br />
- Preciso ir ao dentista!, disse ao seu reflexo enquanto examinava detalhatamente os dentes e a boca.<br />
<br />
Ir ao dentista. Mais uma das tantas coisas que lhe fugiam e da qual se esquecia.<br />
<br />
Decidiu não secar o cabelo, decidiu faltar ao trabalho ir à padaria. E então, compraria o café da<br />
manhã. Pediria para Jairo ficar. Cozinharia o almoço, assistiriam a um programa ruim<br />
na TV, no meio da tarde. E então... e depois desse ritual gostoso, ela... Ela o mataria.<br />
<br />
Cuspiu a pasta de dente. Levantou a cabeça e encontrou seus olhos no espelho. Ardiam.<br />
<br />
“Quanta bobagem!” Tentou sorrir pra si mesmo. Sua alma doía. Voltou pro quarto, Jairo ainda<br />
dormia de bruços, pernas abertas, mão esquerda abraçando o travesseiro. Um ronco que<br />
lembrava um apito.<br />
<br />
Sentou-se na cama em cima da perna direita, olhou para Jairo, para aquele corpo... Olhou toda aquela doença que a fazia feliz.<br />
<br />
<br />Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-24580236629863099342012-07-25T18:49:00.001-07:002012-07-25T18:58:27.843-07:00Capítulo 9: Bullshit!Terça feira, nove da noite, numa galeria de uma rua arborizada da Vila Madalena, Dora segurava desanimadamente uma taça de champagne. Era a vernissage de um fotógrafo, desses moderninhos, cheio de pose e dinheiro, porque na opinião de Dora aquelas fotos não tinham nada de artístico.<br />
<br />
Suspirou sentindo preguiça daquela gente toda sorrindo pelo salão.
Não tinha hora para ir embora e já estava cansada no início da semana. Olhou o relógio no celular, mas o ponteiro havia andado em dois minutos. O tempo se arrastava. Era noite de lua cheia e ela só queria estar na rua. Queria sair andando sem rumo, olhando vitrines de lojas fechadas, tomar um café no Frans, logo ali na esquina antes de entrar no metrô.
Encheu mais uma vez o copo. "Vai ficar altinha", pensou, "e depois cochilar no metrô".<br />
<br />
Ela estava de costas para a porta, olhando uma foto gigante. No destaque, uma unha pintada de vermelho. Do mesmo vermelho que ela também gostava de pintar as unhas. A foto toda em preto e branco e aquela unha em vermelho nítido. O título? “Sangue".
Senhoras e senhores, disse a si mesma, eis aqui uma grande bosta! Sorriu, sem perceber quando Jairo entrara na galeria.<br />
<br />
Dora fora a primeira pessoa que ele viu. Dora, num vestido preto curtíssimo que realçava as belas formas do seu corpo. Os cabelos também curtos estavam seguros em uma faixa colorida. Segurava uma taça e sua cabeça pendia para o lado esquerdo. Ao vê-la assim ele imaginou que ela estivesse criticando a foto.<br />
<br />
Jairo, de terno e gravata afrouxada, olhava Dora sem que ela o tivesse notado ali. Ele achava aquele emprego, aquela galeria medonha. Coisa de gente rica e sem talento. Se aproximou devagar e assoprou sua nuca como sempre fizera. Como nos velhos tempos.
Dora sentiu um arrepio percorrer toda sua coluna. Arqueou os ombros e, por alguns segundos, fechou os olhos. Aquela sensação, aquele sopro na nuca... aquilo era coisa de... E não podendo mais pensar virou-se bruscamente, fungindo daquele sopro doce que durou uma eternidade e seus olhos encontraram os olhos de Jairo.<br />
<br />
- Jairo! que susto! Que cê ta fazendo aqui?<br />
- Oi amor! que saudades! Disse ele no seu costumeiro tom melado.<br />
<br />
Ela começou a andar pela galeria, sem rumo, enquanto Jairo permanecia ao seu lado. Encheu mais uma vez a taça. Respirou fundo, mas as pernas iam bambas. O coração ia saltar a qualquer minuto, ela se sentia zonza e uma dor súbita, embaixo do braço direito. Era um infarto. Ela iria morrer ali, naquele momento, ela bem sabia! Dora era assim. Gostava de exagerar.<br />
<br />
- O que você quer Jairo? Eu estou trabalhando, que você tá fazendo aqui?<br />
- Interessante esse seu trabalho. Você bebe, olhas umas fotos horrorosas...<br />
- Me respeite!<br />
- Ok, Dora. Eu não vim aqui pra discutir. Eu... Olha só... eu estou morrendo de saudades... eu me arrependo... cometi um erro... Dora eu...<br />
<br />
Era toda aquela ladainha tão conhecida por ela! Aquela coisa que nunca acabava!<br />
<br />
- Jairo eu não vou falar disso com você, me esquece!
Enquanto os lábios diziam isso, sua cabeça imaginava poder dizer algo muito diferente. Algo como “Jairo, me leva pra cama agora”...<br />
<br />
Cobras, malditas serpentes em sua cabeça.<br />
<br />
- Dora por favor, uma chance, uma horinha apenas, deixa eu te levar embora, me escuta...Eu quero você de novo, deixa eu voltar hein, meu amor?<br />
<br />
Ela ficou em silêncio. Colocou a taça em cima do balcão, saiu pela porta e deixou Jairo sozinho. Atravessou o salão rapidamente com passos largos e firmes, foi em direção ao seu chefe que conversava com o fotógrafo hipster.<br />
<br />
Que tipinho, ela pensou olhando o rapaz de cima abaixo enquanto puxava o braço do seu chefe e pedia licença.<br />
<br />
-Armando, preciso ir embora agora. Tudo bem?
Ele olhou por cima dos ombros nus de Dora, viu Jairo em pé na porta que acenou.<br />
<br />
- Jairo voltou é?
Ódio, essa mania de não ficar calada e chorar suas dores pro mundo!
- Eu só preciso conversar com ele, sei o que eu estou fazendo.<br />
<br />
- Hum... veja lá hein Dora! Tenho vontade de não te liberar só pra você não ir ao encontro desse canalha.<br />
<br />
Ódio. Ódio. Ódio. Quem aquele baixinho com aqueles óculos de aro vermelho pensava que era para se intrometer tanto assim na sua vida. Armando vai tomar no cu! Quisera poder ter dito em alto e bom tom!<br />
<br />
- Armando, tudo bem. Eu sei o que estou fazendo...
- Tá bem. Boa sorte então.... amanhã te vejo às dez!<br />
<br />
- Ok, obrigada.<br />
<br />
Atravessou novamente o salão. Jairo a encarava. Seu coração estava ponto de sair pela boca. Que homem lindo meus Deus! Aquele terno impecável, aquela gravata propositalmente frouxa. os cabelos alinhados e a toda aquela elegância natural de Jairo.<br />
<br />
Saíram.<br />
<br />
Em silêncio atravessaram a rua. Ela queria dizer mil coisas, vomitar tudo em cima dele, queria deixar claro como ela se sentia, todo o mal que lhe causara, queria dizer que inclusive era culpa dele aquele rapaz ter morrido na frente dela. Culpa dele seu final de semana ter sido tão pesado. Jairo, a praga do mundo!<br />
<br />
Entrou no carro, inclinou a cabeça para puxar o cinto, quando voltou seus lábios encontraram o dele.
O encaixe perfeito. A boca gelada e carnuda de Jairo, sua língua firme, a mão que segurava com força sua nuca.
Não teve mais tempo de pensar. Relaxou e ficou entregue àquela criatura sedutora dentro daquele carro.<br />
<br />
Como uma heroína dos contos da Série Sabrina, Dora se entregou ao beijo. Ao beijo de Jairo. Ao beijo longo, demorado e macio de Jairo. Ah! Aqueles lábios... Tinham sabor de pecado. Tinham cheiro de erro. Tinham o prenúncio de que algo muito ruim estava novamente para acontecer.<br />
<br />Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-32424060942906362302012-03-23T12:00:00.000-07:002012-03-23T12:00:18.821-07:00Capítulo 8: "Back to Black"<iframe width="250" height="199" src="http://www.youtube.com/embed/ah33Up5NTB4" frameborder="0" allowfullscreen></iframe><br />
<br />
Quando acordou estava de volta ao restaurante sentada numa cadeira em outra mesa.<br />
Teve que abrir os olhos com cuidado. Não se lembrava de muita coisa. Sentiu que estava com o rosto molhado e as mãos geladas. Aos poucos a visão foi-se acostumando com o cenário. Ajeitou-se. Arrumou as costas e com a mão direita apoiada na cadeira empurrou o quadril para cima.<br />
Foi levantando devagar a cabeça até que seus olhos encontraram os de … Pablo? Assustado, ele estava segurando uma garrafa com água pela metade e a outra deveria estar em seu rosto, pois foi percebendo aos poucos a roupa molhada. Dora concluiu, com um louca vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, como estava feliz de ver seu amigo.<br />
-Dora, que susto! Gente tô tremendo...<br />
- Que bom que você tá aqui! Onde você estava fiquei preocupada!<br />
- Eu tava ali, eu vi quando você saiu como uma louca do restaurante, mas quando me aproximei a senhorita tinha desmaiado...<br />
Então ela se lembrou, olhou ao redor a confusão ainda continuava, o resgate havia chegado e os paramédicos colocavam o corpo do rapaz dentro do furgão.<br />
-Vamos embora? – ela suplicou.<br />
-Você está bem? Por que você foi até lá?<br />
-Pensei que era você!<br />
- Ai Dora! Pelo amor, criatura!!!!! <br />
Pablo se benzeu. Pagaram a conta, saíram no meio da confusão, ela não quis mais olhar, não quis mais ver o sangue, queria esquecer o barulho e aquele episódio. Mas sabia que seria impossível. Pablo ainda se despediu do tal rapaz que o fez “morrer” por alguns segundos, marcando alguma coisa pra mais tarde.<br />
- Não sei como você ainda consegue pensar em sexo - disse Dora quando eles entraram no carro.<br />
Pablo suspirou dando a partida.<br />
- Foi outra pessoa quem morreu, não eu queridinha! E como se diz por ai: antes ele do que eu.<br />
O carro dobrou a esquina, Pablo ligou o som. Dora sabia que esse jeito grosseiro do amigo era só uma forma dele lidar com o que acabaram de vivenciar, tinha esse jeito meio seco, um tanto insensível, mas no fundo ela sabia que ele estava se corroendo, morrendo de medo assim como ela. Prova disso era o volume da música que ele acaba de colocar no carro, deixando claro que não queria mais conversa. A voz marcante de Amy Winehouse negando a “Rehab” quebrou o silêncio que caiu sobre os dois.<br />
Dora não conseguia esquecer o que vira. De toda a cena o que mais lhe chamara a atenção fora aqueles olhos inexpressivos, estáticos como duas bolas de vidro. Não havia mais brilho. As pontas dos dedos da mão estavam roxas, assim como a boca. E olheiras profundas contornavam os olhos castanhos claro do morto. A vida se esvaira tão rápido. A morte tomara aquele corpo para si em tão poucos segundos. E tão rapidamente aquela pessoa era apenas um vazio. Um buraco negro escuro de dor e saudade que sugaria os que naquele episódio estivessem reunidos.<br />
Era isso, então. Era assim a morte, esse era seu rosto. Essa coisa vazia, sem cor, esse nada em forma de mãos, braços, tronco, pernas, olhos. Que triste! repetia pra si mesma, que triste...<br />
Para aquele rapaz estendido no asfalto o jogo tinha terminado, ele tinha perdido. Fim da linha.<br />
Game over. Ela susurrou. Game Over. E pensou na vida, em sua vida, como lhe doía, como era pesado ser ela naquele momento, como estava sendo difícil lidar com aquele buraco que Jairo deixara, aquele nada que viver se tornara. Pensou que talvez o rapaz morto aproveitasse mais que ela, que fosse mais feliz que ela, que com certeza dava mais valor à vida do que ela.<br />
E pensar nisso tudo, estar diante da morte e até desmaiar, tudo isso tinha mexido demais com ela. Sentiu uma ânsia subindo a garganta. Estava angustiada, um nó na garganta. Não pode segurar quando as lágrimas vieram fortes, quebrando as barreiras, vindo do fundo. E então a menina chorou.<br />
Levou as mãos ao rosto, ombros tremiam. Soluços. Assustado, Pablo parou o carro, diminuiu o volume do som.<br />
-Dora, Dora, Dora! Que foi minha querida? Hein... que foi?<br />
Ela tentou segurar o choro, respirar. Estava difícil, ela quis dizer que estava difícil segurar a onda, agüentar a barra, continuar.<br />
-Pablo... (soluçou) Pablo... Eu... Eu não... Eu não quero morrer!!!!<br />
E desabou em soluços mais uma vez. Pablo abraçou a amiga.<br />
-Que bobagem, você não vai morrer, ninguém aqui vai!<br />
Ela passou as costas das mãos nos olhos, por um momento se sentiu fraca, clichê e ridícula. Menininha!<br />
Pablo se afastou soltou-a de seus braços.<br />
- Eu tive uma idéia, hoje vamos passar a noite juntos. Vamos pra casa, ver um filme, sei lá qual<br />
quer coisa... Posso chamar uns amigos... a gente se distrai.<br />
Ela não queria, queria ligar pra Jairo. Queria estar com ele outra vez.<br />
- Tudo bem- ela disse baixo- Tudo bem.<br />
Pablo ligou o carro mais uma vez, Dora suspirou. Ironicamente, dessas coisas que só acontecem com ela, no som do carro a voz de Amy Winehouse saia rouca: (...) “We only said goodbye with words, I died a hundred times” (...). <br />
<br />
Naquela tarde, indo pela Doutor Arnaldo, cabeça encostada no vidro fechado do carro, os olhos encontraram o cemitério, a morada da morte. Encontraram ainda o Hospital Emílio Ribas. Voltando a pensar naquele rapaz, para o luto que ela quem nem sequer o conhecia sentia, ela retomava seu pensamento anterior. Primário. Ela sobreviveria.<br />
Melhor, ela decidiu, viveria. Reinventaria outra vida antes que a morte viesse lhe atormentar com o vazio profundo.Ela se reinventaria.Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-84083202971675503902012-03-06T09:26:00.000-08:002012-07-25T18:49:59.951-07:00Capítulo 7: Que não seja PabloTudo aconteceu rápido demais. Mas dentro de sua cabeça uma eternidade pesou-lhe os ombros.<br />
<br />
Ainda ouvia Pablo dizer sobre o rapaz de ontem, mas não prestou atenção para onde seu amigo tinha ido. De repente foi puxada de dentro das trevas na qual se encontrava. Aquele disparo havia sido um tiro, sem dúvida! e seu amigo não estava ali.<br />
<br />
Uma confusão se iniciou dentro do restaurante, as pessoas se levantaram e tumultuaram a porta de entrada. Dora se levantou sentindo um peso na nuca, meio zonza um mistura de cerveja, maconha e medo. Onde estaria Pablo? Ela rezava e pedia mentalmente que não fosse ele... Que não fosse ele.<br />
<br />
Caminhou até a porta esbarrando, empurrando todo mundo. Na rua a confusão ainda era maior, uma multidão fazia um círculo em volta de um corpo estendido.<br />
<br />
Era a morte. Era a morte que vinha lhe beijar a face naquela tarde de sábado e sol quente. Beijava-lhe naquele restaurante onde a vida pulsava. Vinha intrusa e impiedosa, reinando sobre todos.<br />
<br />
Enquanto seu coração disparava, á medida em que ela abria<br />
espaço na multidão para chegar mais perto do cadáver, Dora ia com o pensamento atinado, quase em marcha, quase em voz alta: “Deus não deixe que seja Pablo”, “não deixe que seja Pablo”, “Deus!” .<br />
<br />
A primeira coisa que notou foi a poça de sangue que escorria do corpo estendido no asfalto quente. Diferente de como via em filmes ou lia em livro o líquido vermelho não escorria, mas lentamente ia formando um desenho qualquer. Descia grosso e parava em uma pocinha que rapidamente secava e voltava a ficar úmida. Ela levou a mão à boca, o peito doeu. Olhou<br />
bem no rosto do morto.<br />
<br />
Segurou um grito, cambaleou. Quase caiu.<br />
<br />
Se afastou empurrando com o cotovelo as pessoas que falavam ao celular, que ligavam pra emergência. Ouvia alguém dizer que tinha sido assalto, outro dizia que foi acerto de contas. Ninguém vira nada. Tudo havia sido muito rápido. Um rapaz tão bonito e jovem, dizia uma outra voz...<br />
<br />
Dora sentiu o olhar embaçado, as vistas escuras. Só sentiu-se deslizando para dentro de uma escuridão gelatinosa. Era como pisar em areia movediça. Todo o asfalto derretia sob aquele sol, aquele sangue que estancava no asfalto. Ela se dava conta enquanto era engolida por garras negras que a<br />
puxavam para o limbo, que a morte estava a espreita, que era o fim da linha.<br />
<br />
Tentou se agarrar em alguma coisa, não havia nada, era o vazio.<br />
<br />
Sua garganta estava seca, seu peito doía e suas pernas não respondiam as ordens do cérebro.<br />
<br />
E a menina que não tinha andado quase nada, que ainda mal tinha se afastado do morto, desmaiou. Inconsciente, como quem dança um passo macabro, caiu a poucos metros do corpo pálido e sem vida do jovem assassinado. Dora desmaiara de braços dados com a morte.Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-52964505414544023852012-02-10T09:42:00.000-08:002012-02-10T10:10:49.149-08:00Capítulo 6: Sábado, dia de morrer<img border="0" height="0" src="http://c.gigcount.com/wildfire/IMP/CXNID=2000002.0NXC/bT*xJmx*PTEzMjg4OTcxNTg*NzcmcHQ9MTMyODg5NzE2Mzc3NCZwPTE4MDMxJmQ9Jmc9MSZvPTcxYmUwODczMzc*NjRlZTFiZjBj/NzU*ZDBhODMzMzA2.gif" style="height: 0px; visibility: hidden; width: 0px;" width="0" /><embed border="0" flashvars="mycolor=F0ADC2&mycolor2=DB8888&mycolor3=B88237&autoplay=false&rand=1&f=4&vol=100&pat=0&grad=false" height="165" name="myflashfetish" pluginspage="http://www.macromedia.com/go/getflashplayer" quality="high" salign="TL" src="http://assets.mixpod.com/swf/mp3/mp-simp.swf?myid=88098512&path=2012/02/10" style="height: 165px; visibility: visible; width: 240px;" type="application/x-shockwave-flash" width="240" wmode="transparent"></embed><br />
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(Leia ouvindo Jose Gonzales, Down the lie, clicando acima)<br />
<br />
Ficar sozinha naquele sábado seria o mais lento, o mais torturante tipo de morte. Não depois daquele telefonema. Não depois de tantos sábados sem Jairo. Não depois de ser ela com ela mesma fim de semana após fim de semana. <br />
Não essa morte tranqüilizadora, suave, que em questão de segundos tudo acaba e você vira nada.<br />
Um outro tipo. Uma morte maldita que antes do ato final te obriga a pensar em tudo, em olhar pra sua vida ali nos seus pés e ter que cutucar cada ferida, esmiuçar a dor.<br />
Ela não podia ter outro sábado doloroso. Não deveria se sentir tão atingida assim.<br />
Era nessas coisas que ela pensava enquanto Pablo estava na fila do banheiro no restaurante lotado de gente aparentemente feliz. Tinha sido ótimo ligar pro seu amigo animado. Seu amigo de alma feminina que a entendia tanto. E lá estavam agora. Na fila. Modernos, descolados, puro clichês. Eram assim. Estavam assim. Curtindo a vida.<br />
- Essa fila me dá um pouco de preguiça, disse Pablo enquanto se sentava de frente pra ela e de costas pra porta.<br />
Dora via sobre o ombro dele jovens em pé com copos de cerveja na mão, na porta do restaurante. Eles estavam contra o sol. E a luz estava linda.<br />
- Eu gosto bastante daqui... murmurou Dora e deu de ombros com um meio sorriso. Acho bonito.<br />
- A figuração tá ótima! Pablo riu enquanto enchia seu copo de cerveja.<br />
Eram quatro e meia da tarde eles estavam almoçando na Benedito Calixto, a praça que Dora adorava ir com o Pablo. Na companhia dele a praça tinha outro sentindo.<br />
Eles haviam passado a manhã na piscina, bebendo cerveja, falando sobre coisa nenhuma. Pablo não perguntou nada, quis deixar a amiga a vontade e ela sentiu a vontade de não tocar no assunto Jairo.<br />
Pelo menos não naquele momento. Não ali.<br />
_ Jairo me ligou. Dora disse bebericando a cerveja e empurrando o guardanapo na mesa com a outra mão.<br />
- E aí? O que ele queria?<br />
-Disse que ta com saudade, que quer me ver.<br />
-Afff! que escroto! Desencana né amiga! Nada a ver... você não precisa disso... <br />
- Queridinha! Disseram os dois ao mesmo tempo em voz alta. <br />
- O cara é um escroto Dorinha!<br />
- Eu sei... Fiquei mexida... eu ainda gosto.. sei lá...<br />
- Ele é um egoísta! Ele só tá pensando nele, ele até pode estar com saudade, mas ele não te ama mais, nunca amou,Vocês vãos e ver... transar e ai? Ai ele vai sumir<br />
deixa morrer isso meo!<br />
-Eu sei... enfim... sei lá Pablo to estranha, infeliz... me sinto triste sabe... sei lá... as vezes parece que eu perdi minha inocência, minha fé...<br />
- Não viaja! O mundo é lindo e sombrio... Por Favor né Dora... sai dessa, canaliza pra outra coisa...acho que você ta fumando muito, amiga.<br />
- O quê? maconha? Nem tô.<br />
-Não! só hoje na piscina nós fumamos três... e ainda tem o digestivo.<br />
Dora riu, Pablo também. E era isso que Dora precisava naquele sábado. Precisava ficar "desligada", relaxar esquecer um pouco a semana. E Pablo? Pablo tinha o dom de faze-la rir.<br />
- Amiga! Acabei de ver meu peguete de ontem!, exclamou alto Pablo, enquanto a menina continuava absorta em si mesma.<br />
Sim... Outra semana. “Vem outra novinha aí!”, dizia mentalmente ela para si, se enganando, fingindo que tinha esperança numa nova semana e que naquela tudo seria diferente,<br />
Fingia que algo aconteceria naquele inércia do mundo. E então como se fosse uma personagem de teatro fingia acreditar em um novo dia.<br />
Afinal, não era isso que todo mundo fazia? Era! E ela conseguiria repetir a peça toda novamente? Não sabia... mas ao menos, naquele final de sábado de tarde, por algumas horas, ela esqueceria, ela esqueceria aquele enredo ruim, aquele livro de quinta que era sua vida.<br />
Ela viveria naquele final de tarde.<br />
Continuaria. E como se esses pensamentos todos lhe tomassem por inteiro ela não fora capaz de ver a cena logo ali à sua frente. Mergulhada na sua tristeza, mergulhada no seu mundo estático Dora só percebeu que algo acontecia quando ouviu aquele som estridente, aquele som que lhe lembrava... Um disparo?Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-68313518134848789492012-01-24T13:43:00.000-08:002012-02-10T09:30:54.005-08:00Capítulo 5: PabloQuinto capítulo: Pablo.<br />
<br />
As Luzes verdes fluorescentes do microondas na cozinha avisavam Pablo que eram três e cinquenta da manhã. Ele abriu a geladeira meio sem saber porque. Cambaleando avistou um pedaço de pizza de horas atrás. Se apoiou na porta aberta e deu a primeira mordida ali mesmo, em pé, bêbado na cozinha. Pegou a bisnaga de ketchup, fechou a geladeira, atravessou o pequeno corredor e se sentou no chão da sala. Ligou a TV só pra ouvir um barulho qualquer. O dia logo chegaria. E seria sábado. Ele dormiria até tarde, acordaria de ressaca, almoçaria em casa mesmo, perderia horas deitado no sofá até a noite começar de novo.<br />
<br />
- Sábado, pensou ele suspirando e em sendo sábado ele então iria dormir. <br />
- <br />
Por isso quando começou ao ouvir Coldplay a cantar “Viva la Vida”, ele viu Dora toda de azul, Dora num estranho vestido, Dora gesticulando. Eles estavam numa festa e a música tocava alta. Coldplay agora gritava na vitrola moderna enquanto Dora movia os lábios em fala, mas cujas palavras eram impossíveis de serem ouvidas.<br />
<br />
Era a música deles! A música que os dois adoravam e selara pra sempre aquela amizade quatro anos atrás. No sono que tinha acordado a música não tinha fim. Então meio feliz, meio incomodado e uma certa angústia querendo tomar conta de todo o cenário criado por sua mente debilmente bêbada, ele abriu os olhos. <br />
<br />
Estava na sala, deitado no tapete, TV ligada, o sol entrava sem piedade pela porta da sacada aberta, ele ainda ouvia a música só que ainda mais alta.<br />
<br />
Ainda atordoado, com dor de cabeça, se deu conta finalmente que não era um sonho, não era um sono, nem mesmo uma lembrança de Dora, mas seu celular que tocava. Aquela música... Era Dora ligando!<br />
<br />
Viva la Vida, era Dora chamando.<br />
<br />
Ele fez uma careta, sentia a boca seca e amarga, não queria atender. Dormir, era o que ele deveria fazer. Mas era aquele tipo de ligação que não dava pra não atender por mais cansado que se esteja, por mais vontade de ir pra cama, por mais desejo louco de fechar tudo e só acordar as quatro da tarde. Era Dora sim, Dora sua melhor amiga, e ele, ele tinha que atender porque se havia algo que se mantinha igual era sua lealdade a ela. Fora leal e sempre o seria.<br />
<br />
Atendeu, voz fraca.<br />
<br />
- Ow tava dormindo?<br />
<br />
-Tava deitado - mentiu.<br />
<br />
- Que vai fazer?<br />
<br />
- Nada, acho.<br />
<br />
- Ta um dia lindo! pensei em ir aí, tomar sol com você e depois irmos almoçar em algum lugar... beber uma coisa qualquer... Vamos?<br />
<br />
- Hummm..., fingiu dúvida. Tá. Pode ser... A que horas? Cê já tá vindo?<br />
<br />
- Sim, pensei em ir agora. Passar no mercado, levar alguma coisa pra gente beber e comer na piscina...<br />
<br />
Dora soara estranha. Olhou o relógio, nove e dez da manhã. Ela não podia estar animada assim. Dora não era assim.<br />
<br />
- Tá bom, disse levantando e fazendo uma careta para si mesmo. Venha!<br />
<br />
- Jairo me ligou ontem, disse ela de sopetão e o tom mudou. Ele demorou alguns segundos para assimilar tudo. O que afinal ela queria com aquele telefonema?<br />
<br />
- E?<br />
<br />
- Eu não quero ficar sozinha...<br />
<br />
Ele percebeu que ela engoliu um soluço, não devia nem ter dormido. Ela ficou em silêncio.<br />
<br />
- Amiga...<br />
<br />
Em frente ao espelho do banheiro, ele fitava sua cara amassada. Que olheiras! pensou colocando o óculos escuros que estava em cima do cesto de roupas sujas. E como se os óculos lhe dessem certa força para esconder os porquês das olheiras escuras e da bebida descontrolada ele falou com convicção:<br />
<br />
- Amiga, vem pra cá logo! A gente conversa. Vamos ter um ótimo dia juntos!Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-57619578635881912982011-12-28T15:29:00.000-08:002011-12-28T15:29:40.818-08:00Capítulo 4, episódio: O telefonema- Dora? - ele disse do outro lado.<br />
<br />
Silêncio<br />
<br />
- Dora? Sou eu, Jairo.<br />
<br />
A cabeça dela dava mil voltas, sentia-se como a Medusa, a cabeça cheia de cobras venenosas espalhando venenos fatais pelo seu sangue.<br />
<br />
- O que você quer?<br />
<br />
Ele respirou. Conhecia bem aquela respiração pesada. "O velho estava carente" uma das cobras na cabeça lhe disse.<br />
<br />
- Dora, eu liguei pra saber se você está bem, me deu uma saudade, Hoje a tarde passei perto do seu prédio me deu vontade de saber de você. Olha… eu sei que não devia, mas deu vontade de te ligar eu... eu... sinto sua falta.<br />
<br />
Silêncio.<br />
<br />
- O que cê tá fazendo? Tá ocupada? A voz dele soava baixa, abafada, como se ele estivesse ligando de um lugar escondido para não ser ouvido.<br />
Claro! Com certeza para não ser ouvido pela idiota da vez! Será que estava com a mesma pela qual ele a tinha a deixado? Ah! Mas que gentil! Quer saber se estou bem!<br />
-Dora? Você está ocupada?<br />
E mais uma dose de silêncio. <br />
Ela não conseguia responder, o que ele queria afinal? O que esse babaca escroto quer agora? E o movimento das cobras em sua cabeça lhe insistiam para mentir. <br />
<br />
- To fazendo a unha Jairo.<br />
-Hummm- Ele suspirou.<br />
Silêncio.<br />
- Dora, eu estive pensando se não poderíamos nos ver esses dias... Eu queria realmente conversar com você... eu...sinto... eu sinto muito sua falta.<br />
<br />
Ela pensou em dizer pra ele passar no apê dela. Pensou em dizer pra ele vir. E pensou em pedir para que tudo voltasse a ser como antes. Sentiu uma dor no peito, arfou. Ajeitou a coluna sentada no parapeito.<br />
Não disse nada. A maconha a tinha deixado completamente amortecida, por um segundo pensou se aquela conversa estava realmente acontecendo ou era só uma ilusão de sua cabecinha problemática.<br />
<br />
- Dora? Fala comigo.<br />
- Eu tô cansada... Tava indo dormir... Tenho um compromisso cedo amanhã – mentiu.<br />
- Tudo bem. Podemos nos ver?<br />
<br />
Jairo e seus cabelos negros ondulados, penteados caprichosamente para o lado, seus braços fortes e sua voz máscula e rouca de quem fumou a vida toda. Seu cheiro quente e seu terno impecável. Jairo e seus 1,80 de altura, seu corpo atlético e seus olhos castanhos escuros que brilhavam tanto depois do sexo. Suas calças sempre muito bem passadas e seus sapatos lustrosos. Sua elegância e sua gentileza. Jairo e sua mania de lhe abrir a porta do carro, de puxar a cadeira, de caminhar do lado de fora da calçada. Jairo e seu jeito de proteger.<br />
<br />
Ah Jairo!<br />
<br />
Jairo e seu veneno, suas mentiras, sua teia de engano, sua canalhice e escrotidão. Seu rio fétido e suas garras que a feriram tanto. Vampiro que a sugara. Demônio que a levara para o mais escuro inferno. Jairo e seu veneno fatal.<br />
<br />
- Não sei... não consigo pensar agora. Olha… eu estou realmente cansada... me liga outra hora.<br />
<br />
Silêncio, respiração pesada. <br />
<br />
Jairo porque você não morre? Era o que queria ter ditto, mas não disse.<br />
Talvez se ela bolasse um plano, marcasse um encontro e o matasse? Talvez ela se libertaria finalmente e finalmente pudesse ser feliz.<br />
<br />
- Ok, te ligo no meio da semana que vem.... Dora... eu estou com saudades... enfim... descanse... a gente se fala. Até mais.<br />
<br />
Ela desligou.<br />
<br />
Que porra é essa agora? <br />
<br />
Teve vontade de chorar. Se sentia uma fraca... Tão fraca ela! E qual era o problema? O problema era que aquele homem ainda mexia com ela, com seus sentimentos. <br />
<br />
Mulherzinha, mulherzinha abandonada! Eu te avisei que esse homem te maltrataria, cretininha da mamãe!, sussurravam as vozes-cobras de sua cabeça.<br />
Aquela maldita dor no peito de novo, enquanto Ney matogrosso ia gritando no rádio que a noite daqui é tão linda e faz a gente se perder. Apoiou os pés no chão, mãos sobre o peito e mais uma vez naquela semana ela chorou com-pul-si-va-men-te. Chorou feito criança. Chorou como uma menina perdida no parque. Chorou como uma menininha perdida, vestindo uma saia de tule rosa, presa a um colant mais rosa ainda, de bailarina.Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-78201745535049156422011-12-20T17:13:00.000-08:002011-12-20T17:13:56.660-08:00Capítulo 3, episódio: Paixão de PrimaveraA semana tinha passado rápido demais. Os dia iguais, repetitivos, às vezes ela se sentia como um ser inanimado fazendo tudo igual, me-to-di-ca-me-nte. Acordar, ir pro rabalho, voltar pra casa... Sentia-se uma parasita no mundo. Mais uma sugando energia vital e expelindo pelos poros, boca, suor, lágrimas. Tudo em vão, pensava.<br />
<br />
Era noite de sexta-feira, quase dez. São Paulo fervia, restaurantes, bares show, teatros. A cidade pulsava em cada esquina. Se sentia velha demais para tudo aquilo. Aquela gente cheia de energia, que passava a semana esperando a sexta, como se um milagre acontecesse, como se o mundo mudasse as sextas a noite. Uma tristeza geral, uma angustia total disfarçada de alegria. Com maquiagem e roupas descoladas.<br />
<br />
A verdade é que ela estava cansada daquilo tudo.<br />
<br />
Sentada no parapeito da enorme janela de seu apartamento “comprado antes dos 30”, sim! ela gostava de repetir isso. "Meu apartamento comprado antes dos 30", dizia em silêncio a si mesma enquanto fazia a unha.<br />
<br />
Paixão de primavera era o nome do esmalte. Gostaria de trabalhar como sendo uma dessas pessoas que criam nomes para cores de esmaltes, ia se divertir mais...<br />
<br />
No rádio uma música brasileira qualquer, nova mpb. A felicidade está nas coisas singelas Na chuva... dizia a música ou talvez num cheiro de fronha limpa ou num esmalte novo nos pés, concluía ela.<br />
<br />
Alguém realmente acreditava naquilo?<br />
<br />
Passou o pequeno pincel na unha do dedão da mão esquerda. "Paixão de primavera no meu dedão".<br />
<br />
Lembrou-se enquanto pintava as unhas de outras sexta feiras em um passado nem tão remoto mas, que pensado assim, lembrado dessa forma, parecia fazer parte de outra vida, outra menina que não ela.<br />
<br />
Lembrou-se das sexta feiras com Jairo. De como no começo ele chegava antes das nove da noite e já no corredor desabotoava a gravata, de como a beijava quando ela abria a porta, de como faziam sexo no sofá e depois na cozinha, enquanto ela preparava um lanche.<br />
<br />
Lembrou-se do banho demorado que tomavam juntos, do jeito que ele reclamava da ex-mulher e da ganância dos filhos. Dezoito anos mais velho que ela, Jairo havia tido dois filhos no casamento anterior. Um, tinha 18 e outro 13 anos. Dois meninos que odiavam a jovem mulher com a qual o pai foi se meter ou que viera se meter com ele, deviam realmente pensar.<br />
<br />
Lembrou-se ainda como depois do banho eles saíam para dar uma volta na cidade, as vezes um cinema, ou um vinho no Mestiço, lugar que apesar de odiar ele ia por conta das insistências dela. Ele dizia que era tudo muito fresco,ele se sentia incomodado com aquele monte de "viado", como ele ser referia aos gays, dando pinta no salão.<br />
E se tinha uma coisa que Jairo não gostava era dos gays. Principalmente os que frenquentavam o Mestiço. Ele os achavam afetados além da medida.<br />
<br />
- Quer dar o cu, por mim tudo bem, mas não esfregue isso na minha cara, porra!. Era o que ele sempre repetia. <br />
<br />
Depois do vinho, ou do cinema, voltavam pra casa e faziam sexo mais uma vez. Jairo passava os finais de semana na casa dela e ia embora depois do Fantástico. Sempre separados e ele nunca quisera que fosse diferente. "Aquele canalha, filho da puta!", sussurou enquanto borrava o vermelho nas unhas do pé esquerdo.<br />
Aquele vai e vem do pincel parecia ajudar-lhe sempre a trazer à tona memórias... E memórias dos tempos em que estava com Jairo eram as que não a deixavam em paz. Nunca!<br />
<br />
Lembrou-se, então, de uma vez que Jairo sumiu numa sexta-feira. Com o celular desligado por dias ele só veio a reaparecer na terça da outra semana. A desculpa? Totalmente deslavada, claro! <br />
<br />
- “Meu filho mais novo foi parar no hospital por conta de um jogo no colégio”, justificava com tanta dramaticidade que ela acreditara, como uma idiota. <br />
- <br />
- Talvez no fundo todas as mulheres gostassem um pouco de serem enganadas, passadas para trás, teorizava ela. Só para depois darem a volta por cima e mostrar para o mundo que o sexo frágil tinha se recuparado, vencido mais uma vez.<br />
<br />
Começou a ficar irritada, sentiu raiva de estar fazendo a unha sentada na janela, "Que bosta de vida"! <br />
<br />
Teve vontade de largar tudo. De se jogar dali. De mandar o mundo tomar no cu e depois de se jogar.<br />
<br />
Ela, quem tinha se realizado tão cedo profissionalmente: era respeitada, trabalhava com um renomado artista, tinha seu apartamento, era independente, pagava suas contas e tinha até se dado o direito de ter um ipad. Sentia-se sentia uma grande e espaçosa merda no mundo. Uma merda pintada de paixão de primavera.<br />
<br />
Tudo porque era sexta a noite e ela não tinha companhia, nada melhor pra fazer além da unha, e tudo era culpa de Jairo que ao ir embora havia levado também sua paz. Seu Rumo. Seu jeito de ser.<br />
<br />
"Mulherzinha", pensou.<br />
<br />
"Você é uma cretina Dora". Disse a si mesma. <br />
<br />
Suspirou, desceu da janela com muito cuidado para não borrar o pé pintado. Caminhou até o sofá, abriu uma latinha de metal e tirou um basedao pronto. Deu Uma tragada funda, mal humorada, irritada. Sentia-se solitária. Sim! Tinha vontade de morrer e sim! morreria com as unhas do pé esquerdo mal feitas. Quem se importa? <br />
<br />
Mais uma tragada e outra e depois uma mais forte.<br />
<br />
E, de repente, tudo começou a ficar mais calmo dentro dela. "A cretina se acalma com maconha ou vinho" Ouviu a voz da sua mãe gritar em sua cabeça.<br />
<br />
Mudou o cd e num movimento que lhe pareceu eterno voltou para o parapeito da janela. O trânsito lá embaixo... Podia ouvir risadas no bar logo a frente do seu prédio. <br />
Sua boca secou, decidiu que depois da unha compraria um vinho ou dois e tomaria.<br />
<br />
Naquela noite de sexta, solitária, mal acomodada no parapeito da janela ela decidiu que iria dormir muito chapada. Não era a noite para doer. Estava cansada demais para questionamentos. Iria dormir bêbada e se Deus ajudasse acordaria muito tarde no dia seguinte.<br />
<br />
Quem sabe não convidaria Pablo para o almoço?<br />
<br />
O telefone começou a tocar e ela em câmera lenta tentou acha-lo. Olhou o número e seu corpo todo ardeu: era Jairo. Sua pernas cambalearam. Já havia se passado seis meses. Ela quase lançou o celular pela janela, mas ainda que tivesse os olhos queimando, atendeu.Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-47327847706254761562011-11-18T04:29:00.000-08:002011-11-18T04:32:30.965-08:00Capítulo 2, episódio: JairoFez o caminho inverso na hora de voltar pra casa, mesmo metrô linha verde. O metrô era a coisa que ela achava mais civilizada em São Paulo. <br />
<br />
Estava exausta. Trabalhava como recepcionista em uma galeria de arte de um artista plástica gente boa, apesar de ser formada em radio e tv e de ter trabalhado durante anos em uma grande emissora de televisão. Abandonara a carreira ao completar 29 anos e há um ano trabalhava naque espaço.<br />
<br />
Havia entrado em um projeto de mudança de vida, mas como todos os outros não tinha levado adiante. Ela achava dificil mudar hábitos aos trinta, e o seu maior era desistir antes mesmo de começar.<br />
<br />
O metrô estava lotado naquele fim de dia e ela com preguiça de ler. Enquando o trem avançava sobre o escuro, ela pensava que tinha preguiça de estar viva, estava mais cansada que o habitual. Tinha tido um dia difícil na galleria, mas o pior de tudo foi ter sido tomada de surpresa por uma lembrança. Uma lembrança que a perseguia com mais freqüência nesses últimos dias.<br />
<br />
Ela se lembrou de Jairo. De seu sorriso, seu jeito de tomar cerveja com limão e sal, o jeito que sentava com as pernas cruzadas de um jeito estranho, ocupando muito espaço. Sim, Jairo era espaçoso, pensou e expressou um meio sorriso que passou desapercebido por quem viajava ao seu lado. Jairo, Jairo, Jairo. Embora não quisesse não conseguia deixar de pensar.<br />
<br />
Pensava na gentileza dele, do beijo, de como ele a tocava e de como a tinha deixado completamente perdida e sem rumo depois daquela manhã fatídica em que ele fora embora levando tudo, inclusive sua paz. Nem se lembrava como era sua vida antes de. <br />
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Desceu na Trianon Masp, Paulista lotada pra variar. Entrou na rua das Flores e seguiu pro seu prédio. "Dia de cão!" repetia enquanto sua mente era invadida pelos olhos de Jairo. Pelo cheiro de Jairo. Odiava-o com todas as forças de sua alma. E quando atravessou a entrada do prédio, e esperava o velho elevador descer rangindo os dentes, sentiu um nó na garganta e uma aflição no coração. Parecia que ia morrer a qualquer momento. Suas mãos suaram e ela recebeu sua companheira constante em noites como aquela, aquela tal tristeza que ela definia como amarga e descia pela garganta se espalhando pelo corpo todo com uma rapidez desnecessária. Passou a língua ao redor dos lábios e reconheceu: era o gosto do fracasso.<br />
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Tomou o elevador e deu um passo rumo ao seu mundo. <br />
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O apartamento era modesto. Em um prédio antigo sem porteiro nos arredores do Masp, boa localização diziam os amigos. Comprara antes dos trinta, devia se orgulhar. Não se orgulhava. Sentia até um certo arrependimento. Poderia ter viajado com o dinheiro, ser do mundo, errante. Podia ser mais corajosa, não era. Deixou a bolsa no sofa, tirou os sapatos e os deixou caídos na sala. Malditos saltos!<br />
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O sol se punha, o barulho do trânsito infernal. Abriu a geladeira, duas cervejas. Abriu uma tomou um gole, desceu amarga, aliviando a garganta. Queria um vinho branco não tinha. Pensou em fazer um baseado, desistiu. Assim na frente da geladeira segurando a porta aberta pensou que era uma desgraçada por não ter o vinho. Patética, sentiu vontade de chorar. Não pelo vinho mas, por tudo. Aquele amontoado de clichês que era sua vida. <br />
O inferno… pensou enquanto fechava a geladeira e se sentava no chão para beber a cerveja que ela nem mesmo gostava, o inferno são os trinta!<br />
--Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1438367524210375177.post-15276471992663157362011-11-10T01:56:00.000-08:002011-11-10T01:56:30.186-08:00Capítulo 1, episódio: o metrô<span class="Apple-style-span" style="border-collapse: collapse; font-family: Times, sans-serif;"></span><br />
<div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Um dia banal na vida dela. Como todos os outros, tinha a impressão de estar no automático. Não que viver fosse uma opção. Era preciso seguir adiante, se não fosse isso seria a morte e era egoísta demais para deixar esse mundo. Ela seguia, passava o café, cortava o bolo, sentava-se perto da janela de vidro fosco. O sol nascia. Menos dentro dela. Um dia vazio, como os outros. E todos ainda que se arrastariam. Tinha o dom de não ser preenchida. De manter-se ocupada sem estar. Olhou o relógio, estava atrasada de novo. Rotina. Como um verme pesado arrastou-se até o banheiro, olhou-se no espelho e pensou "Você precisa parar de querer mocinha!". Passou o batom vermelho carne. Morrer era fácil demais. Viveria pra doer. Era assim que sabia. Doendo para estar viva. Ardendo para não secar. Saiu e fechou a porta atrás de si, desceu até o térreo dentro da pequena caixa de aço e ferro. Suspirou no saguão. Vestiu sua melhor cara e alcançou a rua.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Sua incrível arte de representar. Disso, porém, ninguém sabia.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Finja um sorriso, dizia a si mesma. Finja ao menos uma vez que não é tua essa guerra! Finja que nada disso é teu, seu mundo, sua dor, suas feridas do que valem?</div><div class="im" style="color: #500050;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div></div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Se há pressa, se não tem jeito, se tudo é o agora. Pinte seu rosto. O baile começou. "E não me diga queridinha que você não sabe!", repetiu mentalmente imitando a voz de Pablo seu amado amigo gay, pois você não tem idade mais para isso,não cola mais essa desculpa. Não me venha com esse papo de não saber dançar. A gente nunca sabe.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Até que dança.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">A verdade é que ela não entendia o porquê daquilo tudo. Todos os dias levantar-se, tomar banho escovar os cabelos curtos mal cortados até a nuca, vestir-se, sair, trabalhar, cuidar do dia, da casa, das compras, do mercado. O mesmo sorriso no fim do dia, os brindes em mesa de bar, a novela, o jornal da globo e tudo começava de novo. E outra vez.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">As vezes, em dias como aquele, tinha vontade de gritar na cara de alguém qual era a resposta, se sabiam dela, se conheciam o caminho.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Ninguém sabia.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Andou até o metrô lotado aquela hora da manhã. Tirou o livro da bolsa. Vista daquele jeito, a moça de cabelo curtos, calça jeans surrada, regata e jaquetinha de couro surrada, parecia uma garota comum. Muito diferente daquela estranha, cujos vermezinhos na cabeça iam e vinham trazendo pensamentos obscuros os quais ela fazia questão de não dividir com ninguém.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Não é que fosse linda, mas estava longe de ser feia. Era magra e um tanto alta. Parecia quase não saber direito viver dentro daquele corpo que lhe fora dado. Tinha os olhos grandes esverdeados, gostava de dizer assim bem pausadamente "esssssverrrrdeaaaados", pois os olhos era a parte que mais gostava em seu corpo. Usava um lápis preto ao redor deles, tinha traços fortes e mãos grandes as quais, ao contrário dos elogios que lhe faziam, era a parte que mais odiava em seu corpo.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Abriu o livo em pé mesmo, estava acostumada com aquele malabarismo, quem é que não tá? Se perguntava toda manhã naquela lata de sardinha: por estava ela ali de novo? </div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Questão de sobrevivência queridinha... Pablo outra vez invadindo sua mente. </div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Lia <i>Fazes-me Falta,</i> de Inês Pedrosa, o qual ela classificou como dolorosamente lindo! Levantou os olhos se distraindo da leitura, observou, como todas as manhãs, as pessoas no trem. As secretárias que trocavam informações domésticas.... O jovem executivo que se namorava no espelho e quem a seus olhos usava um terno menor do que o número real. Se tinha um tipo de homem que ela achava realmente bizarro era esse tipo metrossexual, amante de uma roupa apertadinha. </div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Gostava de observar cada pessoa. Imaginar cada história, gostava de fazer parte daquilo tudo. Ao menos por um momento aquelas pessoas todas, tão diferentes, dividiam um mesmo momento. Naquele minuto, por exemplo, ela gostava de estar naquele exato vagão. E vez ou outra ela era tomada por um medo de que alguma tragédia acontecesse, daí o reparar na vida e no jeito alheio. Queria "conhecer" as pessoas com quem ela morreria. Gostava de imaginar com quem dividiria o último olhar quando o trem explodisse. </div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;">Essas coisas assim a deixavam intrigada e com uma sensação de estranha agradabilidade. Depois de desviar os olhos da leitura, observar a mediocridade da secretaria executiva bilíngue ela sorriu para si mesmo. E um pouco antes da estação final se sentiu a pessoa mais triste dentro daquele vagão.</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div>Ed Cruzhttp://www.blogger.com/profile/10506208209513114818noreply@blogger.com3